terça-feira, 13 de maio de 2008

MEMÓRIAS DE WILSON DIAS

FILOSOFIA DE VIDA

- Memórias de Wilson Dias -

Como me Apresento

Atualmente, sou terapeuta holístico, jornalista e escritor. Sou natural de Casa Nova, uma cidade baiana situada à margem esquerda do rio São Francisco, cerca de 70 quilômetros de Juazeiro. Mas, meu pai me registrou como filho de Sento Sé. Então fica assim: sou casa-novense de nascimento, sento-seense de registro, e juazeirense por adoção.

Meu sonho era ser escritor, e terminei desenvolvendo essa profissão; o meu primeiro trabalho literário foi o livro intitulado História da Imprensa Juazeirense, publicado em 1982. Nesta obra, fazemos uma apologia do desenvolvimento da imprensa falada e escrita de Juazeiro e Petrolina. Mas, eu comecei a escrever um livro em 1976, o qual foi publicado 20 anos depois sob o título Origem e Destino da Humanidade (à luz da Bíblia).

Um ano depois da publicação de História da Imprensa Juazeirense; sob auspícios do Sedic (Secretaria de Desenvolvimento Industrial do Comércio), órgão ligado ao Governo do Estado da Bahia, que tinha à frente o atual deputado federal, Jorge Khoury, então Prefeito do Município de Juazeiro, brindamos à família baiana, com o livro Os Remeiros do São Francisco. Este trabalho foi escrito em homenagem ao meu pai, Roque José da Silva, que contribui para o progresso da região do Grande Vale impulsionando as barcas do São Francisco a troco de buracos no peito.

Em 1985, sob auspícios da CODEVASF e, respectivamente, do Ministério do Interior, publicamos o livro O Velho Chico – Sua Vida, Suas Lendas e Sua História. Este livro foi premiado pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia como o “melhor trabalho literário já escrito sobre a região do São Francisco”. Pela sua importância na educação baiana, O Velho Chico foi inserido no ensino de primeiro e segundo graus, no que se refere ao tema: Geografia da Região do Vale do São Francisco. Este mesmo tema é parte integrante dos quesitos de testes para o Vestibular do ensino baiano.

O livro Origem e Destino da Humanidade (à luz da Bíblia), publicado em 1996, é minha obra-prima, pois levei 20 anos pesquisando para fazer essa publicação. Trata-se de um trabalho que envolve escatologia, antropologia, história bíblica e universal. Todos os pastores de igrejas denominacionais que adquiriram este trabalho literário, têm ligado para este que vos escreve, tecendo elogios, ao tempo em que nos parabenizam pelas datas históricas que em muito tem os ajudado em seus sermões. Enfim, é um livro cheio de curiosidades em todas as áreas do saber humano.

Ainda em 1996, eu editei mais dois livros – A Nova Era e a Fé Cristã, e Projeto Melhorando a Saúde. O primeiro faz uma apologia sobre o movimento da Nova Era e a confusão gerada em torno desse assunto no meio religioso. O segundo mostra os meios pelos quais as pessoas podem melhorar sua qualidade de vida usando uma alimentação à base de vegetais, sem a mancha da carne.

Em 1997, editei mais dois livros. Um deles foi: O Ano 2000 e o Fim do Mundo, no qual retratamos os acontecimentos que marcarão o fim da história terrestre e a entrada para a eternidade com o segundo advento de Cristo. O outro é mais polêmico – Câncer tem Cura? – que mobilizou a classe médica em Juazeiro e Petrolina. Toda imprensa local e do Estado fez questão de fazer a divulgação deste trabalho literário que, por certo, ajudou, e continua ajudando muita gente no sentido de esclarecer e mostrar o meio mais correto de prevenir e tratar o câncer. A sua publicação contou com apoio da CODEVASF, como também da Joalina Transportes, na pessoa do empresário Eurico de Sá Cavalcante, o popular “Leãozinho”, uma das maiores personalidades políticas de Petrolina.

Mas, o livro mais polêmico e mais lido que eu lancei, foi Saúde Plena – Guia Prático, publicado em 2002, com três edições, perfazendo um total de 20 mil exemplares vendidos. Três anos mais tarde, em 2005, publiquei outro livro – Dietoterapia – que ensina como comer de acordo com o tipo de sangue de cada indivíduo. Este último continua em evidência, pois a sua tiragem foi da ordem de 30 mil exemplares.

Wilson Dias da Silva.

Introdução

Desde 1976, que venho escrevendo livros, boletins, panfletos e artigos para jornais e revistas, não somente para os que são editados em Juazeiro e Salvador, mas também, tenho escrito para a grande imprensa da região Sudeste do País. Há anos, que venho imaginando um meio de deixar para meus filhos, netos e bisnetos, um documentário sobre minha vida. Então, nasceu-me a idéia de escrever este livro de Memórias.

Trata-se de um trabalho literário que conta toda a minha vida, sem censura, desde a minha infância até os dias atuais. Este livro em que procuro rememorar, com o máximo de fidelidade e o mínimo de fantasia, narra fatos marcantes de minha época de garoto pobre, oriundo de família humilde – em linguagem simples, ao alcance do entendimento não somente de intelectuais, como também, de gente humilde de cultura mediana.

Os fatos rememorativos, narrados neste livro, desde os meus dois anos de vida, vão por conta de minha memória. Diante disto, é bem provável que alguns dos meus familiares poderão encontrar lapsos na descrição de certos acontecimentos.

Como disse anteriormente, sem censura, venho rememorando a minha adolescência, a minha conversão, o meu casamento, a minha vida religiosa, a minha vida profissional e as dificuldades enfrentadas na religião para introduzir na mente dos guardadores do sábado a necessidade de mudar seu estilo de vida no comer, no beber, no vestir, no agir e na forma de adorar o Criador do universo. Estou imbuído nessa luta de abrir a mentalidade arcaica do povo da minha igreja desde 1968, três anos após ter sido recebido no movimento adventista pelo batismo por imersão.

Na elaboração deste trabalho tive o máximo de cuidado para não ferir a susceptibilidade dos pretensos líderes religiosos; todavia, há casos em que não me foi possível evitar. Quanto ao povo que professa o cristianismo, este está desejoso de obter a salvação, só não sabe ao certo como alcançá-la, porque os líderes religiosos estão preocupados apenas em encher suas igrejas, mas não estão preparando ninguém para a eternidade. Este preparo requer renúncia do eu e do apetite pervertido, além de sacrifícios. Nada disso é ensinado pelos pretensos líderes de igreja, pois eles estão preocupados é com o que vai render de dízimos e ofertas.

Deus, pela misericórdia que Ele tem para com Seu povo sincero, que se encontra em todas as denominações do mundo religioso, suscita vez por outra, entre eles, os chamados “reformadores”, para promover reformas, melhorando a qualidade de vida das pessoas, com o objetivo de e prepará-las para a vinda do Senhor. Cheios de despeito e ciúmes, os líderes jogam contra esses reformadores os membros das igrejas, sob a alegação de que eles são “fanáticos” e “inimigos da religião”. Com Jesus também foi assim. Os líderes da igreja judaica acusaram o Mestre de prática de “sortilégio” – o mesmo que feitiçaria -, somente porque Ele efetuava curas sem o uso de drogas medicamentosas e expelia demônios de uma forma sobrenatural. Ele aturou pacientemente a hipocrisia, o formalismo, a perseguição e os ataques blasfemos dos fariseus de Sua época. Mas, chegou um momento em que o Mestre teve que desabafar chamando os fariseus e saduceus de “raça de víboras”.

Este livro não é meramente rememorativo; é também uma coletânea de temas variados, envolvendo as áreas de história, antropologia, religião, medicina e assuntos escatológicos.

O Autor,

Minha Infância

(Período compreendido de 2 a 12 anos de vida)

Quando me entendi como gente eu tinha dois anos de vida. Lembro muito bem quando cheguei a Juazeiro, em companhia dos meus pais. A casa em que adentramos para morar fazia parte de um conjunto de dez habitações ligadas em meia-parede uma à outra. Refiro-me à Rua Tiradentes, no bairro Santo Antônio. Senti que aquela rua me era ideal, porque tinha muita areia para a gente brincar. A rua não tinha calçamento nem asfalto, o que prevalecia era a areia, onde ficávamos à vontade, se envolvendo com a terra fria. Como não havia esgoto a céu aberto, era afastada a possibilidade de contaminação da terra onde brincávamos.

Antes de meus pais virem a Juazeiro, morávamos na cidade ribeirinha de Casa Nova, onde fui parido por minha mãe. Chegamos a Juazeiro pelo rio São Francisco, a bordo de um vapor que singrava as águas do “Velho Chico” partindo da cidade mineira de Pirapora. Essa possante embarcação saia de Pirapora, descendo o rio de “barbas brancas”, fazendo paradas em todos os portos, onde havia uma povoação, pegando e deixando passageiros e mercadorias.

Onde hoje é a barragem de Sobradinho existia uma grande corredeira com seis quilômetros de extensão, que tinha a denominação de Cachoeira do Sobrado. Essa corredeira era muito acidentada, cheia de pedras enormes, e o vapor tinha dificuldade para navegar no referido trecho, isto porque, era forte a correnteza das águas que fazia muito barulho. Eu me encantei com as enormes pedras através das quais, as águas corriam velozmente; então, aproximei-me da borda do navio, onde eu tentava tocar os lajedos por onde a embarcação passava roçando. Nisso, minha mãe percebeu que eu estava correndo o risco de cair nas águas por causa do balanço do navio, e, aos gritos, colheu-me em seus braços, passando a ter um maior cuidado, temendo que eu voltasse a fazer uma nova tentativa de tocar as pedras por onde a embarcação passava com dificuldade.

Quando chegamos a Juazeiro, fiquei abismado com tanta embarcação no porto, como também, com tanta gente vendendo e comprando pães, bolos, cocadas, beijus, tapioca, rapadura, peixe seco, carne de jacaré etc. Essa feira era realizada no porto toda vez que chegava uma embarcação. A população corria para o porto, atraída pelo possante apito do vapor, para ver a embarcação chegar. A chegada de um navio da FRANAVE era motivo de festa, não somente em Juazeiro, como em todas as cidades ribeirinhas ao longo do rio por onde o barco passava cheio de turistas. A chegada dos meus pais a Juazeiro foi por volta de 1951, quando a Ponte Presidente Dutra estava sendo construída.

Filho de Remeiro

Meu pai era remeiro do São Francisco. Ele era contratado pelos donos de barcas movidas à vara, as quais transportavam mercadorias de Juazeiro para a cidade mineira de Januária e vice-versa. Cada embarcação abrigava até 15 remeiros, e transportava até 30 toneladas de mercadorias. As barcas subiam o rio com produtos manufaturados, como querosene, café, açúcar, sal, farinha de trigo, bolachas etc., e desciam transportando cana-de-açúcar, carne de sol, peixes secos, carne de jacaré, frutas e grãos. Essas barcas eram movidas a custo de varas sobre o peito dos remeiros. Ao final de um dia de labuta, os remeiros encerravam suas atividades com o peito dilacerado, sangrando, por conta da ponta da vara que era usada para impulsionar a embarcação. O ferimento do peito era tratado com toucinho quente: o remeiro deitava com as costas sobre a areia alva da margem do rio, e o dono da barca esquentava o toucinho de porco sobre brasas; quando a gordura estava pingando sobre as brasas, era o momento de aplicar sobre o peito dilacerado do remeiro, que soltava um grito horrendo, de dor, que era ouvido na outra margem do rio. Mas, no dia seguinte, ele teria que executar o mesmo trabalho, começando por volta de cinco horas da manhã. Ao voltar às atividades de remeiro, logo cedo, quando a vara era forçada contra o fundo do rio, para impulsionar a embarcação, a ferida reabria, e um filete de sangue descia pela vara desde o peito do remeiro até às águas do caudal. Ao anoitecer, depois de um mergulho nas águas do “Chicão”, o remeiro era submetido ao mesmo tratamento do toucinho quente sobre o ferimento do peito. Essa era a vida dos remeiros do São Francisco, antes de o progresso chegar à região do Grande Vale.

Mamando nas Cabras

Quando faltavam mercadorias, os remeiros “tocavam” roça. Meu pai, por exemplo, tinha uma área agricultável no povoado do Rodeadouro, onde ele tinha um criatório de caprinos. Vez por outra meus pais nos conduziam ao referido povoado, onde passávamos semanas e até meses, cuidando do criatório. Eu aproveitava para mamar nas tetas das cabras. Eu me infiltrava entre os cabritinhos e, engatinhando, eu berrava – “bééé!!” - imitando os filhotes das cabras, as quais permitiam que eu entrasse debaixo da teta e mamasse até me fartar.

Talvez pelo fato de até hoje gostar de leite de cabra, meus ossos e pulmões são fortes. Enquanto o leite de vaca causa alergias em geral, especialmente às de origem respiratórias, como asma, rinite, sinusite, bronquite asmática etc., o leite de cabra combate e previne qualquer tipo de alergia. Toda criança criada tomando leite de cabra tem uma constituição forte organicamente falando. O leite de cabra ou de jumenta preta é o melhor remédio para os casos de alergia respiratória, por isso que até hoje eu “mamo em cabras” quando tenho oportunidade de adquirir o leite. Se você consome leite de origem animal, indiretamente está mamando pela prole, ou seja, tomando o lugar do bezerro e do cabrito.

O leite de vaca é rico em proteínas, gorduras e cálcio, mas o leite de cabra é mais saudável e tem três vezes mais cálcio que o leite de gado. A ciência médica descobriu que o leite de vaca gera colesterol, o inimigo principal da nossa saúde. Até aos 11 anos de vida, o organismo de crianças e mulheres têm o poder de absorver os depósitos de gordura nas artérias, por causa dos hormônios que elas possuem. As mulheres, por sua vez, devem continuar consumindo leite até à velhice, para prevenir a osteoporose, mas que seja leite de cabra, porque o de gado faz perder o cálcio pela urina, depois da idade de 11 anos de idade. Isto, porque, a partir dessa idade, o nosso organismo perde o poder de proteção contra as gorduras oriundas de determinados alimentos, especialmente do leite de vaca; então, o excesso das gorduras é depositado nas paredes das artérias, gerando o colesterol e a arteriosclerose. Portanto, mantenha uma alimentação pobre em gorduras, pois essa é a chave do nosso bem-estar físico e mental.

Acidentes na Infância

Lembro-me que certa feita, no Rodeadouro, meu pai estava fabricando sabão caseiro. Sendo eu muito “traquino”, fui “mexer” uma porção quente de soda cáustica e, acidentalmente, a solução caiu sobre a minha barriga, comendo parte do meu abdome; os intestinos chegaram a aparecer. Pela misericórdia de Deus, sobrevivi. Em outra ocasião, em fins de 1957, quando eu estava um pouco crescido, beirando os nove anos de idade, fui visitar o meu avô Januário, pai do meu pai, em Casa Nova, minha terra natal, onde ele tinha uma grande roça na ilha. Subi numa árvore para tirar uma fruta, não me lembro que árvore era. Só sei que caí da árvore, de ponta-cabeça, sobre um toco de pau, vindo a perder os sentidos; também, ainda não foi dessa vez que deveria morrer. Lascas de pau adentraram o alto da minha cabeça, o que causou infecção. Durante muito tempo, até a idade adulta, eu sentia fortes dores de cabeça, da qual saía muito pus pelo ferimento. Minha mãe sempre me conduzia aos médicos, que apenas receitavam antibióticos e curativos, mas nunca retiraram as lascas de pau que podiam ser sentidas com o toque do dedo.

Inúmeras vezes eu perdi os sentidos dentro do banheiro enquanto me banhava; uma conseqüência natural da queda de ponta-cabeça sobre o toco. Quando tomava antibiótico, o ferimento da cabeça se fechava, mas os dentes enfraqueciam e apodreciam na boca. Por conta das fortes dores de cabeça que eram freqüentes, no momento dos banhos diários, às vezes que eu colocava a cabeça sob o chuveiro, me sentia aliviado; mas acontecia de vir a desmaiar. Fiquei livre do problema somente em

1990, com a aplicação de argila sobre a cabeça. A mistura de argila e cebola ralada com tomate e repolho puxou toda a substância mórbida que estava em minha cabeça – sangue pisado com pus e lascas de pau. Nessa época, eu cursava Medicina Natural, em São Paulo. Foi pela Medicina Natural que obtive melhor qualidade de vida e aprendi como prevenir as enfermidades e me libertar das dores e da infecção do couro cabeludo, depois de 33 anos de sofrimento.

Voltando ao acidente, na mesma semana que eu caí de ponta-cabeça da árvore, em 1957; inventei de cortar um feixe de capim com o facão do meu avô Januário. Resultado, “meti” o facão na canela; foi muito sangue derramado que eu fiquei assombrado. Agora, eram dois ferimentos, um no alto da cabeça, e outro na canela da perna esquerda. Os ferimentos foram tratados com sal e pó de café. Senti muita febre, e meus avós me conduziram a uma rezadeira que, mediante rezas e benzeduras, passava sobre os ferimentos e todo o meu corpo ramos de arruda, enquanto pitava um cachimbo com fumo bruto, cuja fumaça me deixava incomodado.

Pescaria Cômica

Na semana seguinte, ainda na cidade de Casa Nova, aconteceu algo engraçado: o meu avô convidou-me para uma pescaria. Ele jogaria a tarrafa sobre as águas, e eu vogaria a canoa com um remo. Só que eu não tinha experiência de remo. Quando ele lançou a tarrafa, sem querer, balancei a canoa, fazendo o vovô perder o equilíbrio. E, num abrir e fechar de olhos, ele caiu no leito do rio com tarrafa e tudo, sumindo nas águas. Como eu não tinha maldade, desatei a sorrir com gargalhadas sem parar. Meu avô entrou na canoa e, indignado, só deu um puxãozinho de orelha em mim, mas continuei me divertido com a cena que eu teria presenciado.

Terminada a pescaria, rumamos para a casa de vovô. Chegando próximo de sua casa, eu corri na frente para contar aos meus tios e a minha avó o que teria acontecido. E todos se riram do meu avô que não ficou em nada satisfeito. Ele, com voz trovejosa, dizia assim: “Esse moleque ma derruba da canoa, e depois fica “caçoando” de mim. Quando eu for a Juazeiro vou contar pro Roque, para ele lhe castigar”. Mesmo sabendo que eu seria castigado pelo meu pai, mas não havia meio de me controlar. Quando eu olhava para meu avô, me lembrava da pescaria e dava umas boas gargalhadas sem parar. Nos primeiros dias ele ficava furioso; mas, com o tempo, ele foi aceitando, e terminou por gargalhar comigo, quando eu dizia: “Então, vovô... a canoa em balançou, e o vovô, tibungo na água”!

Guia de Cego

Quando vovô Januário me trouxe de volta a Juazeiro, ele contou para o meu pai as “traquinagens” que eu teria feito em Casa Nova. Naquele momento meu pai sentenciou: “A partir de hoje você vai trabalhar, para deixar de ser traquino. Essas coisas são frutos de mente desocupada”. Então ele providenciou o meu primeiro emprego, antes de eu completar nove anos de idade. Nesse meu primeiro emprego, eu ganhava uns tostões para guiar, pelas ruas de Juazeiro, uma ceguinha conhecida como “dona Blandina”. Eu a guiava, e ela esmolava; dizia assim: “Uma esmola pra ceguinha Blandina”!!

Eu conhecia, em Juazeiro, um senhor que todos o tratavam como “Seu Antônio do Cachorro Quente”. Eu conduzia todos os dias dona Blandina, até a banca de cachorro quente do Sr. Antônio. Meu interesse de levar a ceguinha à banca do Sr. Antônio era para eu comer o pão recheado de carne moída com suco de essência de frutas. Na época, para mim era uma delícia, e a ceguinha também gostava. Além do cachorro quente, eu “pegava” marmita no Hospital Regional, todo meio-dia, para a ceguinha, que dividia a comida comigo. Eu gostava da comida do Hospital Regional de Juazeiro, porque tinha muita carne de charque; era uma comida muita gordurosa, o meu prato predileto, nessa época. Eu apreciava comer carne gorda ou tutano de boi com farinha de mandioca, feijão e rapadura. Minha mãe denominava meu prato de “angu”. (Este assunto continua no capítulo: Minha Adolescência).

Mergulho no Cascalho

Certa feita eu subi em uma pilastra de uma casa em construção, na tentativa de alcançar o topo. A pilastra era de tijolos, e veio a cair; meu pé direito recebeu todo o impacto, e durante várias semanas padeci com o pé inchado, sem poder andar. Era muita dor que eu sentia, e não conseguia dormir por algumas noites! Fiquei curado com um “tratamento da chaleira de água fervente”, sobre a qual minha mãe colocava uma toalha na forma de rodilha e, sobre esta, apoiava o meu pé doente, o que contribuía para aliviar as dores.

Outra ocasião, na idade de 10 anos, eu fui dar um mergulho no rio São Francisco, no porto onde atualmente existe o monumento “M” do então prefeito Misael, em frente à Rádio Juazeiro. Eu não conhecia bem aquele trecho, pois esta era a primeira vez a mergulhar neste local. Sem que antes fizesse um reconhecimento do trecho, fiz a carreira para mergulhar de ponta-cabeça, achando que era fundo o local, e “meti” a cara no cascalho do fundo do rio provocando ferimentos em todo o rosto. Sai das águas aos gritos de dor, com a cara sangrando muito. Foi aquele “Deus me acuda”!

Minha Adolescência

(Período compreendido de 12 a 19 anos)

A minha adolescência não foi em nada diferente da infância... Sempre vivi envolvido com o trabalho. O meu primeiro emprego de infância, como disse anteriormente, foi de “guia de cego”, até aos dez anos de idade. Eu era pago para guiar, pelas ruas de Juazeiro, uma ceguinha de nome dona Blandina, que era sustentada pelas esmolas que conseguíamos da parte de pessoas de boa vontade.

Trabalho Escravo

Como dona Blandina estava velhinha, ela veio a falecer. Então eu perdi o emprego de “guia de cego”. Meu pai era chefe de um depósito de couros e peles, da Empresa João César. Ele me conduzia todos os dias ao depósito, onde eu ajudava os trabalhadores, arrastando couros de bovinos e peles de caprinos e ovinos, para expô-los ao sol. Além de estender couros e peles, eu tinha que encher grandes tanques suspensos de dois depósitos da Empresa, com água que eu teria de colher no rio São Francisco, diariamente. Naquela época Juazeiro não tinha água encanada. A população da cidade colhia a água do rio. Com duas latas vazias de querosene penduradas por cordas presas às extremidades de uma vara espessa, eu as enchia de água, no rio, e teria que conduzi-las subindo uma ladeira arenosa; depois, teria que subir uma escada de madeira no interior dos depósitos, para despejar a água dentro do tanque até encher. Era uma vida muito dura comparada a trabalho escravo; eu só parava de trabalhar quando ia à escola. Quando eu vestia a farda, dava um UFA! de alívio. Por conta de pegar muito peso na adolescência, fiquei com problemas sérios de coluna, como também, de varizes. Fiquei livre destes problemas depois que conheci e pratiquei a Medicina Natural e a Ginástica Terapêutica.

Durante o dia meu pai trabalhava na chefia do depósito, e à noite montava vigilância para aumentar sua renda. Só que na verdade ele não vigiava nada. Ele saia com os amigos para curtir, pois era mulherengo, e eu ficava sozinho com dois cães valentes e um revólver calibre 38. Eu tinha por volta de 1l anos de idade. Mas, não demorou muito para a empresa abrir falência. Diante da falência da Empresa, eu achei que teria descanso, e a partir daquele momento eu dedicaria meu tempo somente à escola. Muito cedo eu pensava ser um escritor. Entretanto, a vida dura de cativeiro que eu levava não me dava tréguas.

Carvoeiro e Oleiro

Quando a Empresa João César abriu falência, meu pai nada recebeu de indenização. Então ele buscou “ganhar a vida” fabricando carvão de lenha, na região da Serra da Batateira, onde atualmente é o bairro João Paulo II. Ali, ele construiu um casebre e fez uma chácara cercada, colocando o nome dele – Chácara São Roque – Ali, ele plantava, e de tudo dava. Ele pediu-me, então, para ajudá-lo. Com uso de machados, arrancávamos tocos, na caatinga, para fabricar o carvão. Ele tinha dois jegues, os quais eu usava para transportar as sacas de carvão, para vender pelas ruas da cidade. A essa altura eu completava com 12 anos de idade. Quando abri os olhos, vi que tinha sido transformado em carvoeiro, ou vendedor ambulante de carvão. Eu saía pelas ruas de Juazeiro, “tocando” dois jegues carregados de sacas de carvão de lenha; eu gritava: “Olha o carvão”! “Olha o carvoeiro”!

No período do inverno não era possível retirar lenha para o fabrico do carvão; então eu trabalhava na olaria do comerciante Ulisses, fabricando tijolos e telhas. Minhas mãos eram cheias de calos; eu tinha vergonha delas, porque estavam estouradas por causa do cabo do machado e dos tijolos quentes que eu retirava do forno. Nessa época eu já pensava ter uma namorada, mas minhas mãos eram tão grotescas, cheias de calos, parecia mais uma lixa, e eu não me habilitava tocar a mão de alguma garota. Tinha também a questão de ser carvoeiro e fabricante de telhas e tijolos, atividades dignas de um trabalhador, mas humilhante para um jovem que pensa ter uma namorada.

Jornaleiro-Mirim

Minha mãe se condoeu do que eu vinha padecendo. Trabalhava duro e sem descanso; meu pai era quem recebia o meu salário das mãos do Sr. Ulisses, o proprietário da olaria. Então, ela providenciou outro emprego menos sacrificante, e conseguiu com as irmãs, Beta e Belita Café, uma atividade de “jornaleiro-mirim” para eu vender exemplares do jornal “A Tarde”, pelas ruas de Juazeiro. As duas irmãs solteironas residiam ao lado da igreja Matriz de Juazeiro, à Praça da Bandeira. Elas recebiam pacotes do jornal via Empresa de Transporte São Luiz, por volta de 14 horas, diariamente, e este era distribuído no centro comercial local através de quatro jornaleiro-mirins, que disputavam a venda do matutino pelas ruas da cidade. Um dos vendedores-mirins de "A Tarde", em Juazeiro, era este que vos escreve.

Eu tinha 12 anos de idade, quando, em 1961 comecei a vender o jornal "A Tarde" no centro comercial de Juazeiro. Atuei como jornaleiro-mirim até o dia 15 de novembro de 1965 quando, na ocasião, as irmãs, Beta e Belita Café, perderam a representação do jornal para o engenheiro-agrônomo e empresário Moacir Mesquita Lopes. Antes da vinda da Empresa São Luiz, "A Tarde" chegava a Juazeiro pelos trilhos da rede ferroviária. Somente a partir de 1966, com a inauguração de sua sucursal, em Juazeiro, "A Tarde" passou a chegar à cidade em transporte próprio.

Mais tarde, no início da década de 80, eu fui contratado pelo jornal “A Tarde”, para o qual eu havia atuado como “jornaleiro-mirim” no período de 1961 até 1966. Agora, na condição de repórter, trabalhei para este jornal como correspondente em Juazeiro, por cerca de quatro anos. A sucursal do jornal “A Tarde” foi inaugurada em Juazeiro no dia 30 de janeiro de 1966, sob a gerência do empresário Moacir Mesquita Lopes.

A iniciação religiosa

As camas das crianças do meu tempo tinham grades de proteção e brinquedos de várias cores que se soltavam com facilidade. Éramos orientados por nossas mães para nos ajoelharmos ao pé da cama para “orar a papai do céu” antes de dormir. A oração era feita religiosamente, todas as noites. Depois da “reza” como dizia nossa mãe, tínhamos que pedir a benção estirando a mão direita, dizendo: “Abença papai... Abença mamãe!”. E a resposta era: “Deus lhe abençoe, filho! Durma com os anjos!”.

Na manhã seguinte, ao despertar, voltávamos a pedir a benção dos nossos pais. Hoje, pedir a benção dos pais, tios ou avós é considerado como uma “cafonice”.

O desjejum

Normalmente, acordávamos com beijinhos carinhosos da mamãe, que dizia carinhosamente: “Acorda meu anjo... é hora de ir para a escola!”. Depois de um afetuoso abraço da mamãe, ela nos determinava escovar os dentes e tomar um banho frio, fazendo a seguinte recomendação: “molhe primeiro os pulsos e os tornozelos, ta?!”.

Depois do banho nos era servido o desjejum composto de “toddy” quente acompanhado de biscoitos ou pão com manteiga, além de queijo de leite de cabra ou o próprio leite da cabra, com cuscus de milho ou beiju de tapioca. Às vezes tinha sobre a mesa um delicioso mingau de milho verde ou de tapioca, ou de puba. Era uma delícia!

A saúde

Quando tínhamos piolhos, a professora da nossa escola recomendava aos alunos usar “Neocide em pó”. Na embalagem do produto tinha a imagem de um sapo capturando com sua língua uma enorme barata e a seguinte frase: “Neocid – inimigo poderoso de todos os insetos”.

Comíamos pão com manteiga e doces a vontade, além de sucos com (o perigoso) açúcar refinado e não se falava de diabetes ou obesidade. Hoje, refrigerante é modismo. Naquela época era a “tubaina” de sabores artificiais de frutas, que se comprava em qualquer boteco da esquina. De gole em gole tomávamos 600 ml desse refrigerante, e ninguém se queixava de gastrite ou morria por isso!

A segurança

As portas das nossas residências nem os armários de medicamentos ou gavetas onde se colocava dinheiro tinham trancas de segurança; até mesmo os carros não tinham trancas ou alarmes contra roubo e não tínhamos problemas com ladrões. As famílias dormiam amontoadas, nas calçadas, em épocas de calor, sem risco de assalto ou violência física.

A gente andava de bicicleta sem capacete nem joelheiras ou caneleiras, porque as ruas eram pouco trafegadas por veículos. Podia-se andar nas ruas sem correr o risco de ser atropelado.

A poluição

Os nossos rios não tinham problemas de poluição de suas águas. Atualmente, os rios são verdadeiros esgotos a céu aberto, onde os esgotos residenciais e dejetos humanos das fossas sépticas são lançados no leito dos grandes rios, causando a poluição.

Bebíamos água do filtro de barro, do pote, também de barro, da moringa ou diretamente da torneira. Quando o tempo era frio bebíamos água até da mangueira de jardineiro sem risco de contaminação.

Hoje bebemos água mineral em garrafas consideradas “esterilizadas”, sem ao menos saber a verdadeira procedência ou como foi engarrafada. Temos como exemplo a água Dias D’Ávila cujo lençol freático está contaminado pelos despejos de produtos químicos lançados pelas indústrias do Pólo Petroquímico de Camaçari.

As Diversões do meu Tempo

De um modo geral, as crianças brincam impulsionadas por duas necessidades: a de se distrair, e a de gastar o grande potencial de energia que existe dentro dela. Quando você vê uma criança calada – sem ser muda -, ou parada – sem ser paralítica -, fique certo de que essa criança é enferma, e precisa urgentemente de tratamento médico ou terapêutico.

As brincadeiras infantis variam de acordo com a idade e a condição social de cada criança. Atraídas pelas “corridas de fórmula um” divulgadas pela mídia, os garotos ricos ganham dos pais velocípedes e patins; enquanto os pobres se contentam com carrinhos de salelóides ou fabricados com madeira barata, os quais são puxados por um barbante. Sob inspiração da “fome”, as meninas pobres da minha época brincavam de “guisados” ou “rubacão”, atualmente conhecido como “baião de dois”, em que elas preparavam pratos de comida tendo como elementos principais rins de bode, o feijão misturado com arroz e temperado com toucinho de porco ou frituras de tripas de galinha, e outros produtos da culinária infantil da época.

Outras brincadeiras do meu tempo, e muito atraentes, eram o jogo de pião de ronda, o chicotinho queimado, a cabra-cega, soltar pipa ao ar livre, o jogo de gude, o futebol de peladas, o jogo de xadrez, o jogo de botões e os banhos no rio São Francisco. À medida que as crianças iam ficando mais viris, iam-se pondo outras brincadeiras, como o jogo de macaco, a corrida de sacos, o atletismo, o jogo de petecas, a luta livre americana, a capoeira etc.

Liberdade e Lazer

Eu e meus colegas brincávamos livremente na rua em completa liberdade sem risco de ser seqüestrado ou vítima de uma “bala perdida”; e éramos super ativos. Ao retornar da escola, jogávamos os livros sobre a mesa e pedíamos autorização da mamãe para brincar na rua. Depois do almoço ela dava a permissão para brincarmos na rua, impondo a seguinte condição: “Lhe autorizo brincar na rua, mas na condição de retornar para casa antes de anoitecer”. As meninas não tinham a mesma liberdade; ficavam em casa ajudando a mamãe e tomando conta das crianças menores.

Construíamos carrinhos de tábua sobre rolimãs (hoje é o “skat”), para competir corridas com os coleguinhas, descendo as ladeiras de asfalto na tentativa de bater Recorde de velocidade. Usávamos a sola dos sapatos como freio para parar o carrinho de rolimã. Muitas vezes perdíamos o controle do carro, na descida, e nos acidentávamos. Era braço quebrado, cabeça lascada e joelhos ralados, mas depois de alguns curativos e a aplicação de uma injeção na “bunda” (nádegas), logo o problema estava resolvido.

Como não havia celular nesse tempo, não tínhamos como comunicar aos nossos pais sobre o acidente; éramos conduzidos ao hospital ou a uma farmácia em caráter de urgência para fazer os curativos. Enfim, grande parte do dia ficava fora de casa, envolvido em brincadeiras, sem que nossos pais soubessem onde nos encontrávamos. Era incrível!